Dr.
Marco Antônio Arruda, Neurologista da infância e da adolescência para explicar
os aspectos biológicos envolvidos no aprendizado faz referência à sua
participação no curso da Dra. Judy Willis - Aplicando as Neurociências na sala
de aula para aprimorar a memória, a motivação, o estado mental e preparo dos
estudantes na era digital - nos EUA e, traduz a leitura que Judy faz desse
processo usando um exemplo bem simples: Imaginem uma fábrica com uma portaria,
serviço de segurança, central de triagem, linha de produção e depósitos. Na
portaria, funcionários fazem a identificação de tudo o que chega até a fábrica,
comunicam a central de triagem e autorizam ou não a entrada de matérias primas.
A central de triagem seleciona as matérias primas a serem enviadas para a linha
de produção. Se a portaria identifica alguma matéria prima que ameace o
funcionamento da fábrica, comunica a central de triagem que, por sua vez,
aciona o serviço de segurança. Na linha de produção, as matérias primas
selecionadas são processadas por diversas máquinas, cada qual com sua função,
até chegar a inúmeros produtos finais que, a seguir, serão armazenados em um
gigantesco depósito. Vamos às legendas:
• Matérias primas = toda e
qualquer informação que chega ao sistema nervoso;
• Portaria = substância
reticular ativadora (SRA), localizada no tronco cerebral;
• Serviço de segurança =
sistema nervoso autônomo;
• Central de triagem =
amígdala (não a da garganta, essa fica no andar de cima!) localizada bem
internamente no cérebro dentro do lobo temporal;
• Linha de produção = córtex
pré-frontal (CPF), situado bem na frente do cérebro, atrás das órbitas, como um
fino tapete recobrindo essa parte do cérebro;
• Produtos finais = toda
informação processada em conhecimento a ser armazenada em nosso cérebro;
• Gigantesco depósito =
hipocampo, uma estrutura também localizada no lobo temporal, onde serão
armazenadas as informações e conhecimentos.
A
leitura de Judy é bem precisa e homogênea. A SRA (portaria) funciona como um
filtro, explorando todos os estímulos que chegam até nós e selecionando,
involuntariamente e a todo instante, os que devem passar para a amígdala
(central de triagem) ou não. Esses milhares de estímulos chegam até esse filtro
através dos nossos sentidos (visão, audição, tato, olfato e gustação) e o fator
de primeira ordem na sua identificação é a novidade, ou seja, o que chega de
novo, o padrão que foi mudado. A seguir, outras características são levadas em
conta, por exemplo, o que é ameaçador, o que é relevante, etc. A informação
então segue para a amígdala (central de triagem) que seleciona quais devem ser
encaminhadas para o CPF (linha de produção). No CPF as informações são
processadas em diversos circuitos responsáveis pelo que chamamos de funções
executivas (as máquinas): iniciar (o processamento da informação), alternar (de
um processo para outro), planejar, elaborar estratégia, organizar, inibir
(ações), controlar as emoções, monitorar-se, gravar informações enquanto
processa informações (memória operacional, de trabalho ou também conhecida como
memória de curto prazo), entre outras. Esse tratamento dado às informações é que
faz com que elas sejam por fim armazenadas na memória de longo prazo, gerando o
aprendizado.
Quando
a SRA, em colaboração com a amígdala, identifica uma ameaça em potencial, aciona
imediatamente o SNA numa reação em cadeia denominada em Inglês por fight,
flight or freeze (lutar, voar ou congelar). Essa reação está presente em nosso
cérebro desde nossos ancestrais e também nos animais e é responsável pela
preservação das espécies. Através dela, o SNA ativa sistemas em todo o
organismo capazes de reagirem à ameaça lutando, voando (fugindo) ou congelando
(se paralisando diante da ameaça maior). Uma circuitaria que vai da hipófise e
hipotálamo até as suprarenais resultando na produção de
adrenalina/noradrenalina irá, por exemplo, provocar a oclusão de artérias da
pele desviando o sangue para os músculos (afinal eles devem estar prontos para
lutar ou fugir) e dessa forma ficamos pálidos e gelados nessa situação. Essas
substâncias também aceleram o funcionamento do coração e pulmões que irão dar
suporte às reações. Essas e muitas outras ações ocorrem por conta do aviso de
perigo, mas também, no contexto do aprendizado, em grau e manifestações
diversas, serão ativados nas seguintes situações: se a informação já é
conhecida, se é enfadonha, irrelevante ou sem aplicabilidade na vida diária.
Sob
essa ótica, se o botão “paralisar” for ativado em sala de aula, a criança vai
ficar completamente alheia e distante de tudo (foco e ambiente), se a opção for
“fugir” vai conversar ou se distrair com tudo e todos, e, se por fim, lutar for
a saída, ele pode literalmente lutar, optar pela violência, pela oposição ou
desafio à autoridade do Educador. É importante entender que toda essa primeira
fase de seleção do estímulo ocorre inconsciente e involuntariamente, não temos
consciência plena do que transcorre.
Quando
essa reação é desencadeada a fábrica, literalmente, para! Adeus aprendizado!
Predominam as funções do cérebro animal, nenhuma outra informação ou matéria
prima, como aqui utilizamos em nossa analogia, é enviada para a linha de
produção.
Do laboratório para a sala de aula
Comecemos por algumas
evidências vindas de pesquisas mais recentes em Neurociências da Educação:
• Para sobreviver, o cérebro
desenvolve-se e se aperfeiçoa na identificação de padrões, ameaças e
recompensas;
• O cérebro se modifica
constantemente, ele se adapta e aperfeiçoa em resposta ao ambiente e às
experiências através de um processo conhecido como neuroplasticidade;
• Estímulos interpretados
como ameaçadores bloqueiam a entrada de outras informações (fazem a fábrica
parar!);
• Novidade e curiosidade
promovem a atenção, a expectativa de predição a mantém;
• As emoções influenciam
onde novas informações serão processadas pelo cérebro. Para que a informação
seja aprendida e consolidada na memória ela precisa passar pela RAS e amígdala
e ser processada no córtex pré-frontal. O estresse tende a bloquear essa
trajetória da informação, mantendo-a no cérebro reativo que limita-se a
comportamentos não reflexivos de lutar, fugir ou paralisar;
• O cérebro é programado
para economizar esforços quando a experiência anterior prediz uma baixa
probabilidade de sucesso/recompensa. A motivação vinda de experiências
anteriores de sucesso consegue superar a baixa expectativa de recompensas;
• A expectativa de prazer
motiva a atenção, esforço (volição) e memória. A dopamina é o principal
neurotransmissor envolvido nesse processo;
• Reduzindo o estresse conseguimos
promover a atenção, o esforço e a motivação;
• Dando à criança a
devolutiva de que está progredindo no aprendizado de determinado tema faz com
que ela aumente progressivamente seus esforços e atenção naquele tema;
• O cérebro é desenvolvido
para reconhecer e gerar padrões. O aprendizado será mais sólido e facilmente
acessado quando os estudantes são capazes de compreender tão bem a informação
de forma a identificá-la com outros padrões aprendidos e solidificados em sua
memória (como elos de uma corrente);
• A evidência de que houve
aprendizado se revela quando o estudante é capaz de aplicar determinado
conhecimento em diferentes disciplinas e transferir esse conhecimento na
interpretação de novas situações e resolução de problemas.
Marco Antônio Arruda
©2012 - Instituto Glia