terça-feira, 19 de março de 2013

Como ocorre o aprendizado no cérebro?


         Dr. Marco Antônio Arruda, Neurologista da infância e da adolescência para explicar os aspectos biológicos envolvidos no aprendizado faz referência à sua participação no curso da Dra. Judy Willis - Aplicando as Neurociências na sala de aula para aprimorar a memória, a motivação, o estado mental e preparo dos estudantes na era digital - nos EUA e, traduz a leitura que Judy faz desse processo usando um exemplo bem simples: Imaginem uma fábrica com uma portaria, serviço de segurança, central de triagem, linha de produção e depósitos.         Na portaria, funcionários fazem a identificação de tudo o que chega até a fábrica, comunicam a central de triagem e autorizam ou não a entrada de matérias primas. A central de triagem seleciona as matérias primas a serem enviadas para a linha de produção. Se a portaria identifica alguma matéria prima que ameace o funcionamento da fábrica, comunica a central de triagem que, por sua vez, aciona o serviço de segurança. Na linha de produção, as matérias primas selecionadas são processadas por diversas máquinas, cada qual com sua função, até chegar a inúmeros produtos finais que, a seguir, serão armazenados em um gigantesco depósito. Vamos às legendas:

• Matérias primas = toda e qualquer informação que chega ao sistema nervoso;

• Portaria = substância reticular ativadora (SRA), localizada no tronco cerebral;

• Serviço de segurança = sistema nervoso autônomo;

• Central de triagem = amígdala (não a da garganta, essa fica no andar de cima!) localizada bem internamente no cérebro dentro do lobo temporal;

• Linha de produção = córtex pré-frontal (CPF), situado bem na frente do cérebro, atrás das órbitas, como um fino tapete recobrindo essa parte do cérebro;

• Produtos finais = toda informação processada em conhecimento a ser armazenada em nosso cérebro;

• Gigantesco depósito = hipocampo, uma estrutura também localizada no lobo temporal, onde serão armazenadas as informações e conhecimentos.

A leitura de Judy é bem precisa e homogênea. A SRA (portaria) funciona como um filtro, explorando todos os estímulos que chegam até nós e selecionando, involuntariamente e a todo instante, os que devem passar para a amígdala (central de triagem) ou não. Esses milhares de estímulos chegam até esse filtro através dos nossos sentidos (visão, audição, tato, olfato e gustação) e o fator de primeira ordem na sua identificação é a novidade, ou seja, o que chega de novo, o padrão que foi mudado. A seguir, outras características são levadas em conta, por exemplo, o que é ameaçador, o que é relevante, etc. A informação então segue para a amígdala (central de triagem) que seleciona quais devem ser encaminhadas para o CPF (linha de produção). No CPF as informações são processadas em diversos circuitos responsáveis pelo que chamamos de funções executivas (as máquinas): iniciar (o processamento da informação), alternar (de um processo para outro), planejar, elaborar estratégia, organizar, inibir (ações), controlar as emoções, monitorar-se, gravar informações enquanto processa informações (memória operacional, de trabalho ou também conhecida como memória de curto prazo), entre outras.     Esse tratamento dado às informações é que faz com que elas sejam por fim armazenadas na memória de longo prazo, gerando o aprendizado.
Quando a SRA, em colaboração com a amígdala, identifica uma ameaça em potencial, aciona imediatamente o SNA numa reação em cadeia denominada em Inglês por fight, flight or freeze (lutar, voar ou congelar). Essa reação está presente em nosso cérebro desde nossos ancestrais e também nos animais e é responsável pela preservação das espécies. Através dela, o SNA ativa sistemas em todo o organismo capazes de reagirem à ameaça lutando, voando (fugindo) ou congelando (se paralisando diante da ameaça maior). Uma circuitaria que vai da hipófise e hipotálamo até as suprarenais resultando na produção de adrenalina/noradrenalina irá, por exemplo, provocar a oclusão de artérias da pele desviando o sangue para os músculos (afinal eles devem estar prontos para lutar ou fugir) e dessa forma ficamos pálidos e gelados nessa situação. Essas substâncias também aceleram o funcionamento do coração e pulmões que irão dar suporte às reações. Essas e muitas outras ações ocorrem por conta do aviso de perigo, mas também, no contexto do aprendizado, em grau e manifestações diversas, serão ativados nas seguintes situações: se a informação já é conhecida, se é enfadonha, irrelevante ou sem aplicabilidade na vida diária.
Sob essa ótica, se o botão “paralisar” for ativado em sala de aula, a criança vai ficar completamente alheia e distante de tudo (foco e ambiente), se a opção for “fugir” vai conversar ou se distrair com tudo e todos, e, se por fim, lutar for a saída, ele pode literalmente lutar, optar pela violência, pela oposição ou desafio à autoridade do Educador. É importante entender que toda essa primeira fase de seleção do estímulo ocorre inconsciente e involuntariamente, não temos consciência plena do que transcorre.
Quando essa reação é desencadeada a fábrica, literalmente, para! Adeus aprendizado! Predominam as funções do cérebro animal, nenhuma outra informação ou matéria prima, como aqui utilizamos em nossa analogia, é enviada para a linha de produção.

Do laboratório para a sala de aula

Comecemos por algumas evidências vindas de pesquisas mais recentes em Neurociências da Educação:

• Para sobreviver, o cérebro desenvolve-se e se aperfeiçoa na identificação de padrões, ameaças e recompensas;

• O cérebro se modifica constantemente, ele se adapta e aperfeiçoa em resposta ao ambiente e às experiências através de um processo conhecido como neuroplasticidade;

• Estímulos interpretados como ameaçadores bloqueiam a entrada de outras informações (fazem a fábrica parar!);

• Novidade e curiosidade promovem a atenção, a expectativa de predição a mantém;

• As emoções influenciam onde novas informações serão processadas pelo cérebro. Para que a informação seja aprendida e consolidada na memória ela precisa passar pela RAS e amígdala e ser processada no córtex pré-frontal. O estresse tende a bloquear essa trajetória da informação, mantendo-a no cérebro reativo que limita-se a comportamentos não reflexivos de lutar, fugir ou paralisar;

• O cérebro é programado para economizar esforços quando a experiência anterior prediz uma baixa probabilidade de sucesso/recompensa. A motivação vinda de experiências anteriores de sucesso consegue superar a baixa expectativa de recompensas;

• A expectativa de prazer motiva a atenção, esforço (volição) e memória. A dopamina é o principal neurotransmissor envolvido nesse processo;

• Reduzindo o estresse conseguimos promover a atenção, o esforço e a motivação;

• Dando à criança a devolutiva de que está progredindo no aprendizado de determinado tema faz com que ela aumente progressivamente seus esforços e atenção naquele tema;

• O cérebro é desenvolvido para reconhecer e gerar padrões. O aprendizado será mais sólido e facilmente acessado quando os estudantes são capazes de compreender tão bem a informação de forma a identificá-la com outros padrões aprendidos e solidificados em sua memória (como elos de uma corrente);

• A evidência de que houve aprendizado se revela quando o estudante é capaz de aplicar determinado conhecimento em diferentes disciplinas e transferir esse conhecimento na interpretação de novas situações e resolução de problemas.

Marco Antônio Arruda
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