sexta-feira, 22 de março de 2013

Relações do Sono e Aprendizagem

        
        O sono é uma parte essencial de nossas vidas e consome aproximadamente um terço de nosso tempo. O restante do tempo passamos acordados, ou seja, em estado de vigília. Durante a noite dois tipos de sono se alternam:
- sono de ondas lentas ou profundo
- sono paradoxal ou sono de movimentos rápidos dos olhos (REM-Rapid Eye Movements)
O sono de ondas lentas é repousante para o físico porque neste período a pressão sanguínea cai, os vasos sanguíneos se dilatam, os músculos ficam preponderantemente relaxados e a taxa do metabolismo basal cai de 10 a 30%. Ocorre a liberação do hormônio do crescimento (GH) que promove o crescimento, a renovação e reparação dos tecidos do corpo. Privação do sono profundo provoca redução do hormônio do crescimento na corrente sanguínea e faz com que o sujeito se sinta cansado, deprimido e com mal estar.
            No sono REM (ocorre na segunda metade de noite) o cérebro está altamente ativo e seu metabolismo global pode estar aumentado em até 20%. Os sonhos que acontecem durante o sono REM estão intimamente ligados à consolidação da memória e à aprendizagem, pois nesta fase são ativados mecanismos que originam novas sinapses, possibilitando o acesso, a otimização ou a formação de novos circuitos neuronais relacionados à memória.
A necessidade de sono varia no decorrer da vida. Conforme AJURIAGUERRA & MARCELLI (1986) um recém-nascido dorme em média 16 a 17 horas por dia, em frações de 3 horas. A partir dos 3 meses, dorme 15 horas por dia, com as fases mais longas de sono ocorrendo durante a noite (até 7 horas consecutivas), e fases prolongadas de vigília durante o dia. A quantidade de sono diminui progressivamente: 13 horas por volta de 1 ano; 12 horas entre 3 a 5 anos; 9 horas e 30 min entre 6 e 12 anos; e 8 horas entre 13 e 15 anos. É preciso ressaltar ainda que na vida adulta, os indivíduos são classificados em pequenos, médios e grandes dormidores. Os pequenos dormidores cumprem com todas as funções do sono em um período de 5 a 6 horas. Os médios dormidores necessitam de 7 a 9 horas, e os grandes dormidores necessitam de 10 a 12 horas. Inúmeras pesquisas têm mostrado que a maioria da população se enquadra como médios dormidores.
Entre os adolescentes, por uma questão hormonal, há aumento significativo no número de horas de sono. Além do mais ocorrem também nesta fase um mecanismo denominado poda neuronal, cuja finalidade seria eliminar sinapses antigas, para preparar para novos circuitos. Ao investigar-se as causas de dificuldades de aprendizagem, deve-se incluir um levantamento sobre as condições de sono do aprendiz. Um sintoma clássico da privação de sono é deitar-se no horário habitual e levantar-se muito tarde aos finais de semana. O “problema é que essas esticadas” de fim de semana não funcionam. É sabido cientificamente que alguns estágios de sono não podem ser compensados.
A vigília prolongada e a privação do sono REM estão frequentemente associados ao mau funcionamento progressivo da mente. Num primeiro momento, ocorre lentidão do pensamento e, posteriormente a pessoa pode se tornar irritável e até mesmo psicótica.
Adultos e crianças com privação de sono têm dificuldade para aprender. Isto decorre, como já vimos de alterações de curso do pensamento, da afetividade, da atividade voluntária, da atenção e também da memória. Em termos práticos, se estamos cansados e privados de sono, nosso pensamento se torna lento e confuso. Os níveis de instabilidade afetiva que se instalam com a privação de sono vão se tornando incompatíveis com a mobilização da vontade de estar atento. A falta de atenção, por sua vez, somada à lentidão do pensamento, compromete todas as fases do processo de memorização, com sérias repercussões para a aprendizagem. Tais repercussões devem-se à necessidade do sono profundo por ser este repousante para o físico. Por outro lado, o sono REM tem importante função na memorização.
Outra questão que deve ser compreendida é a dos cronotipos (OSTEBERG, 1976; CARDINALI AET AL., 1992). É sabido que na população existem três diferentes cronotipos: matutinos, intermediários e vespertinos. Os matutinos acordam cedo e dormem cedo. São muito produtivos para os trabalhos físicos e mentais no período da manhã e boa parte da tarde. Porém, no período noturno, em especial, após as 21 ou 22 horas, têm grandes dificuldades para se manterem acordados. Os vespertinos dormem tarde e acordam tarde. Em compensação, são muito produtivos à tarde e a noite. Os intermediários situam-se entre os dois tipos anteriores.
É importante saber que os horários de dormir e acordar estão diretamente relacionados à produção de diferentes hormônios, como a melatonina, cortisol, hormônio do crescimento.
Na vida adulta, os vespertinos representam aproximadamente 10% da população. Um dos problemas dos vespertinos é que o sujeito vai deitar-se muito tarde, pois a melatonina, hormônio que dispara o gatilho para dormir sofre uma defasagem no momento de sua produção.
Como a maioria das escolas não oferece turmas vespertinas para as últimas séries do ensino fundamental e para ensino médio surge um problema bem conhecido, retirar o adolescente vespertino da cama e mantê-lo acordado. Na verdade, estes alunos vão para a escola quando ainda deveriam estar dormindo, pois, se a sua noite de sono iniciou-se às 2 horas de manhã, às 6 horas ele está começando a segunda metade que deveria estender-se até 10 ou 11 horas. Nesta fase, iria ocorrer a intensificação do sono REM e os processos de consolidação da memória, além da importante testagem das vivências através do processamento onírico. No entanto, o aluno tem seu sono interrompido para ir à escola, pois existe uma crença generalista de que pela manhã a aprendizagem se processa com maior facilidade. Esta crença não chega a ser errada. O que está incorreto é o conceito de manhã. É preciso diferenciar a manhã ambiental, marcada pelo surgimento do sol, da manhã de cunho biológico, que ocorre no organismo de cada indivíduo. Pode-se dizer que para os sujeitos matutinos a manhã biológica coincide com a ambiental enquanto para os vespertinos isto não ocorre, pois a manhã ambiental ocorre enquanto eles ainda se encontram na segunda metade da noite de sono.
O período que precede o acordar é fundamental para a redução do estresse, pois nele se intensifica o sono REM e, durante esta fase, cai drasticamente a produção de adrenalina. Além disto, uma ou duas horas antes do horário de acordar aumenta-se a produção do cortisol, o hormônio antiestressante, que vai nos preparar para enfrentar os desafios de um dia. Ao acordar, intensifica-se a atuação do hormônio tireoidiano provocando uma elevação no metabolismo celular e aumentando a disponibilidade de energia para as atividades físicas e mentais. Também a serotonina, importante substância relacionada ao processo de atenção e estado de ânimo tem seu pico cerca de duas horas após o horário ideal de acordar. Logo, o período da manhã realmente é muito bom para aprender, desde que se tenha a compreensão de que para os matutinos a manhã se inicia por volta de seis ou sete horas enquanto para os vespertinos por volta do meio dia.
Se por um lado levantar-se cedo é causa de privação de sono para os vespertinos, deitar-se tarde é a principal causa para os matutinos. Estes têm que compreender que não são biologicamente compatíveis com estudar madrugada afora ou fazer ginástica à meia noite.

NEUROPSICOLOGIA: o desenvolvimento da consciência, aprendizagem e transtorno  Prof. Dr. Rafael Bruno Neto