segunda-feira, 3 de junho de 2013

A crueldade à espreita



É sedutor pensar que a maldade depende de um gene extraviado ou que a crueldade nasce de um desarranjo bioquímico em um grupo de células cerebrais.

É confortável nomear sob diagnósticos precisos a anorexia, a depressão e as obsessões. Além da ilusão de conhecimento e de domínio, a nomeação nos autoriza a prescrever drogas discutíveis e de valor efêmero que amortecem a busca pelas causas da melancolia, da tristeza e do mal-estar próprios da natureza
humana
.
(...) A crueldade, também própria do homem, nos espreita.


Quase sempre de longe, nas palavras e ilustrações dos livros de história, nas narrativas de tragédias em terras e tempos remotos. Dizemos, conformados, que as guerras sempre existiram, que a violência é parte da natureza humana. Algumas vezes, a crueldade emerge dos textos e das telas e aparece no presente, viva, próxima, palpável. Irrompe na vizinhança, trai ou atinge um conhecido, denuncia um parente distante, aproxima-se ameaçadora.

Pressentimos, embora de uma forma nebulosa, que a crueldade retratada nos livros de histórias nasce entre as paredes que delimitam a vida familiar.

Toda professora sabe que, para além da inocência, a intriga e a maldade permeiam as relações entre as crianças e desconfiam, acertadamente, que elas reproduzem situações domésticas. Toda babá sabe que a sexualidade nos marca desde os primeiros anos, a despeito do devaneio dos sonhadores que pretendem ver na infância um tempo apenas de alegrias e encantamentos.

Os conflitos retratados na paisagem que se mostra pela janela aberta para o mundo infelizmente demonstram que não existe nenhuma evidência de que os pais fazem, concretamente, o melhor pelos filhos. Apesar das recomendações religiosas, morais e pedagógicas, apesar do conhecimento hoje amplamente disponível, não há pai ou mãe que não tenha sido surpreendido um dia pelo pensamento fugaz, verdadeiro, que revela um momento de negligência ou de descuido. Temos, em um plano mais ou menos superficial, certa consciência das nossas faltas e transgressões. Não somos, talvez sem exceções, ilhas de santidade cercadas de maldade por todos os lados.

Por Paulo Schiller

Fonte: 
http://www2.uol.com.br/vivermente/artigos/a_menina_que_sofria_do_-mal_de_mae-_imprimir.html