Childhood Autism Rating Scale (CARS). Autismo infantil: tradução e
validação da Childhood Autism Rating Scale para uso no Brasil
O
autismo é um transtorno invasivo do desenvolvimento, e seu quadro
comportamental é composto basicamente de quatro manifestações: déficits
qualitativos na interação social, déficits na comunicação, padrões de
comportamento repetitivos e estereotipados e um repertório restrito de
interesses e atividades.
Somando-se
aos sintomas principais, crianças autistas freqüentemente apresentam distúrbios
comportamentais graves, como automutilação e agressividade em resposta às
exigências do ambiente, além de sensibilidade anormal a estímulos sensoriais.
A
prevalência do autismo varia de 4
a 13/10.000, ocupando o terceiro lugar entre os
distúrbios do desenvolvimento infantil à frente das malformações congênitas e
da síndrome de Down tipo de autismo permanece clínico. Os critérios atualmente
utilizados são aqueles descritos no Manual Estatístico e Diagnóstico da
Associação Americana de Psiquiatria, o Diagnostic and Statistical Manual of
Mental Disorders (DSM-IV) 4 . Os critérios do DSM-IV para diagnóstico de
autismo têm um grau elevado de especificidade e sensibilidade em grupos de
diversas faixas etárias e entre indivíduos com habilidades cognitivas e de
linguagem distintas; no entanto, para avaliar os sintomas de forma quantitativa
e refinar o diagnóstico diferencial, outros instrumentos são necessários. A
Childhood Autism Rating Scale (CARS) foi desenvolvida ao longo de anos e é
especialmente eficaz na distinção de casos de autismo leve, moderado e grave,
além de discriminar crianças autistas daquelas com retardo mental.
É uma
escala de 15 itens que auxilia na identificação de crianças com autismo e as
distingüe de crianças com prejuízos do desenvolvimento sem autismo. Sua
importância consiste na diferenciação do autismo leve-moderado do grave.
É
breve e apropriada para uso em qualquer criança acima de 2 anos de idade. Sua
construção foi realizada durante 15 anos e incluiu 1.500 crianças autistas.
Para tal, levaram-se em conta os critérios diagnósticos de Kanner (1943), Creak
(1961), Rutter (1978), Ritvo & Freeman (1978) e do Diagnostic and
Statistical Manual of Mental Disorders (DSM-III) (1980).
A
escala avalia o comportamento em 14 domínios geralmente afetados no autismo,
mais uma categoria geral de impressão de autismo. Estes 15 itens incluem:
relações pessoais, imitação, resposta emocional, uso corporal, uso de objetos,
resposta a mudanças, resposta visual, resposta auditiva, resposta e uso do
paladar, olfato e tato, nervosismo, comunicação verbal, comunicação não verbal,
nível de atividade, nível e consistência da resposta intelectual e impressões
gerais.
Os
escores de cada domínio variam de 1 (dentro dos limites da normalidade) a 4
(sintomas autistas graves). A pontuação varia de 15 a 60, e o ponto de corte
para autismo é 30.
Tabela
2 - Versão em português da CARS
I
- Relações pessoais:
1-
Nenhuma evidência de dificuldade ou anormalidade nas relações pessoais: O
comportamento da criança é adequado à sua idade. Alguma timidez, nervosismo ou
aborrecimento podem ser observados quando é dito à criança o que fazer, mas não
em grau atípico;
2-
Relações levemente anormais: A criança pode evitar olhar o adulto nos olhos,
evitar o adulto ou ter uma reação exagerada se a interação é forçada, ser
excessivamente tímida, não responder ao adulto como esperado ou agarrar-se ao
pais um pouco mais que a maioria das crianças da mesma idade;
3-
Relações moderadamente anormais: Às vezes, a criança demonstra indiferença
(parece ignorar o adulto). Outras vezes, tentativas persistentes e vigorosas
são necessárias para se conseguir a atenção da criança. O contato iniciado pela
criança é mínimo;
4-
Relações gravemente anormais: A criança está constantemente indiferente ou
inconsciente ao que o adulto está fazendo. Ela quase nunca responde ou inicia
contato com o adulto. Somente a tentativa mais persistente para atrair a
atenção tem algum efeito.
II.
Imitação:
1-
Imitação adequada: A criança pode imitar sons, palavras e movimentos, os quais
são adequados para o seu nível de habilidade;
2-
Imitação levemente anormal: Na maior parte do tempo, a criança imita
comportamentos simples como bater palmas ou sons
verbais
isolados; ocasionalmente imita somente após estimulação ----ou com atraso;
3-
Imitação moderadamente anormal: A criança imita apenas parte do tempo e requer
uma grande dose de persistência ou ajuda do adulto; freqüentemente imita apenas
após um tempo (com atraso);
4
- Imitação gravemente anormal: A criança raramente ou nunca imita sons,
palavras ou movimentos mesmo com estímulo e assistência.
III.
Resposta emocional:
1-
Resposta emocional adequada à situação e à idade: A criança demonstra tipo e
grau adequados de resposta emocional, indicada por uma mudança na expressão
facial, postura e conduta;
2-
Resposta emocional levemente anormal: A criança ocasionalmente apresenta um
tipo ou grau inadequados de resposta emocional. Às vezes, suas reações não
estão relacionadas a objetos ou a eventos ao seu redor;
3-
Resposta emocional moderadamente anormal: A criança demonstra sinais claros de
resposta emocional inadequada (tipo ou grau). As reações podem ser bastante
inibidas ou excessivas e sem relação com a situação; pode fazer caretas, rir ou
tornar-se rígida até mesmo quando não estejam presentes objetos ou eventos
produtores de emoção;
4-
Resposta emocional gravemente anormal: As respostas são raramente adequadas à
situação. Uma vez que a criança atinja um determinado humor, é muito difícil
alterá-lo.Por outro lado, a criança pode demonstrar emoções diferentes quando
nada mudou.
IV.
Uso corporal:
1- Uso
corporal adequado à idade: A criança move-se com a mesma facilidade, agilidade
e coordenação de uma criança normal da mesma idade;
2- Uso
corporal levemente anormal: Algumas peculiaridades podem estar presentes, tais
como falta de jeito, movimentos repetitivos, pouca coordenação ou a presença
rara de movimentos incomuns;
3- Uso
corporal moderadamente anormal:Comportamentos que são claramente estranhos ou
incomuns para uma criança desta idade podem incluir movimentos estranhos com os
dedos, postura peculiar dos dedos ou corpo, olhar fixo, beliscar o corpo,
auto-agressão, balanceio, girar ou caminhar nas pontas dos pés;
4- Uso
corporal gravemente anormal: Movimentos intensos ou freqüentes do tipo listado
acima são sinais de uso corporal gravemente anormal. Estes comportamentos podem
persistir apesar das tentativas de desencorajar as crianças a fazê-los ou de
envolver a criança em outras atividades.
V.
Uso de objetos:
1- Uso
e interesse adequados por brinquedos e outros objetos: A criança demonstra
interesse normal por brinquedos e outros objetos adequados para o seu nível de
habilidade e os utiliza de maneira adequada;
2- Uso
e interesse levemente inadequados por brinquedos e outros objetos: A criança
pode demonstrar um interesse atípico por um brinquedo ou brincar com ele de
forma inadequada, de um modo pueril (exemplo: batendo ou sugando o brinquedo);
3- Uso
e interesse moderadamente inadequados por brinquedos e outros objetos: A
criança pode demonstrar pouco interesse por brinquedos ou outros objetos, ou
pode estar preocupada em usá-los de maneira estranha. Ela pode concentrar-se em
alguma parte insignificante do brinquedo, tornar-se fascinada com a luz que
reflete do mesmo, repetitivamente mover alguma parte do objeto ou
exclusivamente brincar com ele;
4- Uso
e interesse gravemente inadequados por brinquedos e outros objetos: A criança
pode engajar-se nos mesmos comportamentos citados acima, porém com maior
freqüência e intensidade. É difícil distrair a criança quando ela está engajada
nestas atividades inadequadas.
VI.
Resposta a mudanças:
1-
Respostas à mudança adequadas à idade: Embora a criança possa perceber ou
comentar as mudanças na rotina, ela é capaz de aceitar estas mudanças sem
angústia excessiva;
2-
Respostas à mudança adequadas à idade levemente anormal: Quando um adulto tenta
mudar tarefas, a criança pode continuar na mesma atividade ou usar os mesmos
materiais;
3-
Respostas à mudança adequadas à idade moderadamente anormal: A criança resiste
ativamente a mudanças na rotina, tenta continuar sua antiga atividade é difícil
de distraí-la. Ela pode tornar-se infeliz e zangada quando uma rotina
estabelecida é alterada;
4-
Respostas à mudança adequadas à idade gravemente anormal: A criança demonstra
reações graves às mudanças. Se uma mudança é forçada, ela pode tornar-se
extremamente zangada ou não disposta a ajudar e responder com acessos de raiva.
VII.
Resposta visual:
1-
Resposta visual adequada: O comportamento visual da criança é normal e adequado
para sua idade. A visão é utilizada em conjunto com outros sentidos como forma
de explorar um objeto novo;
2-
Resposta visual levemente anormal: A criança precisa, ocasionalmente, ser
lembrada de olhar para os objetos. A criança pode estar mais interessada em
olhar espelhos ou luzes do que o fazem seus pares, pode ocasionalmente olhar
fixamente para o espaço, ou pode evitar olhar as pessoas nos olhos;
3-
Resposta visual moderadamente anormal: A criança deve ser lembrada
freqüentemente de olhar para o que está fazendo, ela pode olhar fixamente para
o espaço, evitar olhar as pessoas nos olhos, olhar objetos de um ângulo incomum
ou segurar os objetos muito próximos aos olhos;
4-
Resposta visual gravemente anormal: A criança evita constantemente olhar para
as pessoas ou para certos objetos e pode demonstrar formas extremas de outras
peculiaridades visuais descritas acima.
VIII.
Resposta auditiva:
1-
Respostas auditivas adequadas para a idade: O comportamento auditivo da criança
é normal e adequado para idade. A audição é utilizada junto com outros
sentidos;
2-
Respostas auditivas levemente anormais: Pode haver ausência de resposta ou uma
resposta levemente exagerada a certos sons. Respostas a sons podem ser
atrasadas e os sons podem necessitar de repetição para prender a atenção da
criança. A criança pode ser distraída por sons externos;
3-
Respostas auditivas moderadamente anormais: As respostas da criança aos sons
variam. Freqüentemente ignora o som nas primeiras vezes em que é feito. Pode
assustar-se ou cobrir as orelhas ao ouvir
alguns
sons do cotidiano;
4-
Respostas auditivas gravemente anormais: A criança reage exageradamente e/ou
despreza sons num grau extremamente significativo, independente do tipo de som.
IX.
Resposta e uso do paladar, olfato e tato:
1- Uso
e resposta normais do paladar, olfato e tato: A criança explora novos objetos
de um modo adequado a sua idade, geralmente sentindo ou olhando. Paladar ou
olfato podem ser usados quando adequados. Ao reagir a pequenas dores do dia a
dia, a criança expressa desconforto, mas não reage exageradamente;
2- Uso
e resposta levemente anormais do paladar, olfato e tato: A criança pode
persistir em colocar objetos na boca; pode cheirar ou provar/experimentar
objetos não comestíveis. Pode ignorar ou ter reação levemente exagerada à uma
dor mínima, para a qual uma criança normal expressaria somente desconforto;
3- Uso
e resposta moderadamente anormais do paladar, olfato e tato: A criança pode
estar moderadamente preocupada em tocar, cheirar ou provar objetos ou pessoas.
A criança pode reagir demais ou muito pouco;
4- Uso
e resposta gravemente anormais do paladar, olfato e tato: A
criança
está preocupada em cheirar, provar e sentir objetos, mais pela sensação do que
pela exploração ou uso normal dos objetos. A
criança
pode ignorar completamente a dor ou reagir muito fortemente a desconfortos
leves.
X.
Medo ou nervosismo:
1-
Medo ou nervosismo normais: O comportamento da criança é adequado tanto à
situação quanto à idade;
2-
Medo ou nervosismo levemente anormais: A criança ocasionalmente demonstra muito
ou pouco medo ou nervosismo quando comparada às rea-ções de uma criança normal
da mesma idade e em situação semelhante;
3-
Medo ou nervosismo moderadamente anormais: A criança demonstra bastante mais ou
bastante menos medo do que seria típico para uma criança mais nova ou mais
velha em uma situação similar;
4-
Medo ou nervosismo gravemente anormais: Medos persistem mesmo após experiências
repetidas com eventos ou objetos inofensivos. É extremamente difícil acalmar ou
confortar a criança. A criança pode, por outro lado, falhar em demonstrar
consideração adequada aos riscos que outras crianças da mesma idade evitam.
XI.
Comunicação verbal:
1-
Comunicação verbal normal, adequada à idade e à situação;
2-
Comunicação verbal levemente anormal: A fala demonstra um atraso global. A
maior parte do discurso tem significado; porém, alguma ecolalia ou inversão
pronominal podem ocorrer. Algumas palavras peculiares ou jargões podem ser
usados ocasionalmente;
3-
Comunicação verbal moderadamente anormal: A fala pode estar ausente. Quando
presente, a comunicação verbal pode ser uma mistura de alguma fala
significativa e alguma linguagem peculiar, tais
como
jargão, ecolalia ou inversão pronominal. As peculiaridades na fala
significativa podem incluir questionamentos excessivos ou preocupação com algum
tópico em particular;
4-
Comunicação verbal gravemente anormal: Fala significativa não é utilizada. A
criança pode emitir gritos estridentes e infantis, sons animais ou bizarros,
barulhos complexos semelhantes à fala, ou pode apresentar o uso bizarro e
persistente de algumas palavras reconhecíveis ou frases.
XII.
Comunicação não-verbal:
1- Uso
normal da comunicação não-verbal adequado à idade e situação;
2- Uso
da comunicação não-verbal levemente anormal: Uso imaturo da comunicação
não-verbal; a criança pode somente apontar vagamente ou esticar-se para
alcançar o que quer, nas mesmas situações nas quais uma criança da mesma idade
pode apontar ou gesticular mais especificamente para indicar o que deseja;
3- Uso
da comunicação não-verbal moderadamente anormal: A criança geralmente é incapaz
de expressar suas necessidades ou desejos de forma não verbal, e não consegue
compreender a comunicação não-verbal dos outros;
4- Uso
da comunicação não-verbal gravemente anormal: A criança utiliza somente gestos
bizarros ou peculiares, sem significado aparente, e não demonstra nenhum
conhecimento do significados associados aos gestos ou expressões faciais dos
outros.-
XIII.
Nível de atividade:
1-
Nível de atividade normal para idade e circunstâncias: A criança não é nem mais
nem menos ativa que uma criança normal da mesma idade em uma situação
semelhante;
2-
Nível de atividade levemente anormal: A criança pode tanto ser um pouco
irrequieta quanto um pouco “preguiçosa”, apresentando, algumas vezes,
movimentos lentos. O nível de atividade da criança interfere apenas levemente
no seu desempenho;
3-
Nível de atividade moderadamente anormal: A criança pode ser bastante ativa e
difícil de conter. Ela pode ter uma energia ilimitada ou pode não ir prontamente
para a cama à noite. Por outro lado, a criança pode ser bastante letárgica e
necessitar de um grande estímulo para mover-se;
4-
Nível de atividade gravemente anormal: A criança exibe extremos de atividade ou
inatividade e pode até mesmo mudar de um extremo ao outro.
XIV.
Nível e consistência da resposta intelectual:
1- A
inteligência é normal e razoavelmente consistente em várias áreas: A criança é
tão inteligente quanto crianças típicas da mesma idade e não tem qualquer
habilidade intelectual ou problemas incomuns;
2-
Funcionamento intelectual levemente anormal: A criança não é tão inteligente
quanto crianças típicas da mesma idade; as habilidades apresentam-se
razoavelmente regulares através de todas as áreas;
3-
Funcionamento intelectual moderadamente anormal: Em geral, a criança não é tão
inteligente quanto uma típica criança da mesma idade, porém a criança pode
funcionar próximo do normal em uma ou mais áreas intelectuais;
4-
Funcionamento intelectual gravemente anormal: Embora a criança geralmente não
seja tão inteligente quanto uma criança típica da mesma idade, ela pode
funcionar até mesmo melhor que uma criança normal da mesma idade em uma ou mais
áreas.
XV.
Impressões gerais:
1- Sem
autismo: a criança não apresenta nenhum dos sintomas característicos do
autismo;
2-
Autismo leve: A criança apresenta somente um pequeno número de sintomas ou
somente um grau leve de autismo;
3-
Autismo moderado: A criança apresenta muitos sintomas ou um grau moderado de
autismo;
4-
Autismo grave: a criança apresenta inúmeros sintomas ou um grau extremo de
autismo.
Pode
ser pontuada utilizando valores intermediários =1,5; 2,5; e 3,5.
15-30
= sem autismo 30-36 = autismo leve-moderado 36-60 = autismo grave
Este
estudo traduziu e validou para a língua portuguesa, do Brasil, a CARS, uma
escala mundialmente utilizada para diagnóstico e classificação do autismo e
que, pela sua importância, já está traduzida para o japonês, sueco, francês,
entre outros idiomas.
O
DSM-IV representa um sistema de classificação desenvolvido pela Associação
Americana de Psiquiatria e utiliza as três características básicas do autismo,
enquanto os 15 itens da CARS permitem um diagnóstico mais objetivo ao incluírem
as características de autismo primário descritas por Kanner, as observadas por
Creak & Rutter e escalas adicionais (CID-10 e DSM-IV).
.
A correspondência entre os dois métodos pode chegar a 98%9, sendo, portanto,
complementares no diagnóstico.
Fonte: Pereira
A, Riesgo RS,Wagner MB.Childhood autism: translation and validation of the
Childhood Autism Rating Scale for use in Brazil .
Artigo
completo gratuitamente no link: http://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0021-75572008000700001&script=sci_arttext
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