quarta-feira, 26 de dezembro de 2012


       O meu objetivo maior ao escrever este texto, foi subsidiar uma reflexão sobre a importância de o educador compreender, a luz dos conhecimentos neurocientíficos, como o cérebro se organiza. Pois, de acordo com estudos recentes na área das Neurociências, conhecer suas funções, saber que existem períodos críticos para a aquisição das habilidades cognitivas e emocionais, bem como as potencialidades e limitações do sistema nervoso, pode tornar o trabalho do educador mais significativo e eficiente, contribuindo para a compreensão das dificuldades que se apresentam no processo de ensino-aprendizagem. O conhecimento ajuda a entender, a prevenir e intervir, ou seja, sabendo se o funcionamento cerebral da criança ou adolescente está dentro do esperado para a sua idade e a série que cursa a escola e/ou a equipe multidisciplinar podem pensar estratégias de encaminhamento ou a intervenção terapêutica adequada a cada caso.

NEURODESENVOLVIMENTO
O CÉREBRO, O PROFESSOR E A ESCOLA

Para alguns estudiosos a escola - maior invenção cultural da humanidade – embora ainda não tenha se dado conta, tem sido e para sempre será o fator mais importante de modificação da expressão dos cerca de 24.500 genes de uma criança.
Enfatizam ainda a importância da Neuroeducação como o ramo das Neurociências que tem como objetos de estudo a Educação e o Cérebro. Este, entendido como um órgão social que pode ser modificado pela prática pedagógica, e, que, muito tem contribuído para esta conscientização, por entender que a Escola, o Professor e o nosso Cérebro são “INSUBSTITUÍVEIS”[1].
A ênfase dada pelos autores à necessidade de os educadores levarem em consideração em sua prática às descobertas na área das neurociências, não significa deixar de lado seus próprios métodos.
Mas, tão somente aumentar seus conhecimentos sobre a complexidade, a plasticidade e a dinâmica do neurodesenvolvimento e, assim poder individualizar o processo educacional, no sentido de reabilitar deficiências, estimular habilidades, considerando as diferentes fases do desenvolvimento infantil e a diversidade cerebral. Tornando esse conhecimento um aliado no processo de ensino-aprendizagem para as práticas inclusivas, sem que, contudo, seja necessário abandonar os conhecimentos e a prática adquirida ao longo dos anos de magistério.

Neurodesenvolvimento

Estudos na área das Neurociências[2]referem que o cérebro começa a se formar desde o momento da concepção. E que a partir da segunda semana, o tubo neural, considerado o primórdio da formação do sistema nervoso central, começa a se formar e, por volta da quinta semana já está totalmente formado dando inicio a uma série de eventos.
Por volta da vigésima oitava semana, ocorre um processo de proliferação celular onde as células nervosas aumentam de forma intensa. Para se ter uma ideia da intensidade deste aumento, por volta da vigésima oitava semana, o embrião possui um número de neurônios quarenta vezes maior que um indivíduo adulto, ocorrendo perda desses neurônios ao longo do desenvolvimento, em um processo de diferenciação celular.
Entre a décima e décima segunda semana gestacional, os neurônios são programados para migrar e inicia-se o processo de migração neuronal. Isto ocorre, porque dentro do cérebro existe um código que determina o caminho a ser seguido por este neurônio até a área cerebral onde exercerá sua função.
Processo este, que conta com a participação das células da Glia, cuja função é dar sustentação aos neurônios e auxiliar o seu funcionamento. O que permite que alguns neurônios que não são usados ou são pouco eficientes sejam eliminados, trazendo um ajuste fino para as redes neuronais cerebrais. Processo este, denominado de Apoptose – morte neuronal programada.

FIGURA 1



Alguns neurônios migram até sua posição definitiva como se “deslizassem“ sobre um “cabo” de orientação (glia radial). Outros são guiados por sinais químicos emitidos por moléculas de adesão, localizadas na membrana de neurônios ou glia (adaptado de Brain Basics, 2002).


           Após todos esses processos, acontece no final da gestação, a sinaptogênese – processo este, que permite que diferentes regiões do cérebro se comuniquem. Ocorre em tempo diferente e para diferentes regiões do cérebro.
E, para que esta comunicação ocorra de forma efetiva, no final da gestação até o início da idade adulta, ocorre à mielinização, ou seja, placas de gordura são acopladas nos axônios dos neurônios, facilitando a transmissão neuronal, através da aceleração da velocidade do impulso nervoso, favorecendo a rapidez do processamento de informações, essencial para o processamento cognitivo.
De acordo com o estudo em questão, o processo de neurodesenvolvimento pode ocorrer de forma típica ou atípica. Neurodesenvolvimento atípico é quando ocorre mutação em algum gene. Isto porque, segundo o autor, nosso cérebro é composto por uma substância  cinzenta. Substância esta, considerada o QG do nosso cérebro, constituída pelo corpo celular dos neurônios que processam a informação; e uma substância  branca composta dos axônios através dos quais o neurônio envia informação para outro neurônio. Correspondem a cerca da metade do volume do cérebro, e segundo alguns autores, até a mais. Interconectam varias áreas corticais e estruturas subcorticais. Portanto, integrantes imprescindíveis na constituição das numerosas redes neurais, e cuja interrupção leva ao aparecimento de síndromes clínicas por desconexão[3].

FIGURA 2


O sistema nervoso central (cérebro e medula espinhal) é composto de dois tipos básicos de células: o neurônio (1) e a glia, que dá suporte estrutural e fisiológico, como o astrócito (4) e o oligodendrócito (6). O neurônio é composto de corpo celular (1), núcleo (2) e dendritos (3), por onde entra a informação e o axônio (5) e terminais (7) de onde sai a informação eletroquímica (adaptado de Brain Basics, 2002).

O que diferencia as formas de neurodesenvolvimento é que no neurodesenvolvimento típico, os indivíduos começam com um número menor de substância  branca que ao longo do desenvolvimento, vai aumentando linearmente, enquanto que, a substância cinzenta, muito embora comece com um número menor, aumenta em volume após o nascimento, chegando ao ápice na adolescência, e vai reduzindo gradativamente a partir da idade adulta.
Enquanto que no neurodesenvolvimento atípico, os indivíduos começam com um número maior, tanto em relação à substância branca quanto à substância cinzenta, ocorrendo perda de ambas de forma demasiada ao longo do neurodesenvolvimento.
O autor conclui, que uma explicação para isto é que existe um defeito na poda neuronal, o que justificaria as dificuldades apresentadas pelos portadores de alguns transtornos, como por exemplo, o autismo e a esquizofrenia de início precoce.
Para esses estudiosos, o cérebro é um produto de diversas alterações desde a vida intrauterina, mais precisamente, desde o momento da concepção até a idade adulta. E todo este processo de transformações cerebrais que ocorrem ao longo desse período é chamado de maturação cerebral.
Qualquer alteração no curso natural deste processo trará problemas ao neurodesenvolvimento podendo cursar com o surgimento de algum transtorno. Transtornos estes, que têm início no final da infância e início da adolescência. O que sugere que nessa fase ocorrem alterações que deixam o indivíduo vulnerável a transtornos psiquiátricos.
De acordo com estudos recentes[4], neurodesenvolvimento é a programação neurobiologicamente determinada de eventos cerebrais moduladas por variações ambientais (culturais e historicamente determinadas).
É ainda, o desenvolvimento de formas mais progressivamente complexas de comportamento e depende de aquisições cognitivas e comportamentais, tais como: influências ambientais, maturação cerebral, neuromodulação, além das aprendizagens que vão sendo memorizadas e internalizadas ao longo do tempo.
 Sem esquecer que a qualidade dos cuidados à criança tem impacto decisivo no desenvolvimento cerebral e somático, na habilidade de aprender, controlar emoções e resistir às adversidades.
O que significa que somos programados e nascemos com possibilidades de sermos e nos tornarmos em muitas coisas diferentes, tendo a influência do ambiente no qual estamos inseridos como moduladores dos nossos comportamentos.
Comportamentos esses, que irão determinar não só as modalidades de aprendizagem, ou seja, a maneira como cada um aprenderá e se relacionará com o conhecimento, bem como as escolhas e as formas de se relacionar com os pares ao longo da vida.
Como por exemplo, nenhum indivíduo foi neurobiologicamente programado para fazer parte desta ou daquela cultura, falar esta ou aquela língua. São as influências culturais que o predispõe a isto.  

A autora
Francisca Maria Alves de Andrade Sousa é graduada em Letras/Português, Psicopedagoga Clínica e Institucional, Especialista em Atendimento EducacionaL Especializado - AEE ; Pós-graduanda em Neuropsicopedagogia, coautora do livroTRANSTORNOS E DIFICULDADADES DE APRENDIZAGEM: Entendendo melhor os alunos com necessidades especiais, com o artigo: Distúrbios e Dificuldades de Aprendizagem: uma perspectiva de interface entre saúde e educação.



REFERÊNCIAS

[1] ARRUDA, Marco Antônio. Neuroeducação: O que é? O que mudar? 1ª JORNADA DE NEUROCIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO

[2] HOEXTER, Marcelo Q. Compreendendo o Neurodesenvolvimento: Contribuições de Estudos de Neuroimagem. XI Congresso Brasileiro de Neuropsicologia. Setembro (2011).

[3]  A substância branca cerebral. Localização dos principais feixes com anisotropia fracionada direcional. Disponível: http://files.bvs.br/upload/S/0101-8469/2008/v44n2/a19-34.pdf

[4]MELO, Cláudia Berlim. Neurodesenvolvimento e memória. XI Congresso Brasileiro de Neuropsicologia. Setembro (2011).

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