quinta-feira, 1 de novembro de 2012

TDAH – DA SUSPEITA AO DIAGNÓSTICO


Nos artigos anteriores vimos como os sintomas do TDAH se manifestam e se combinam nas várias etapas da vida, veremos aqui alguns instrumentos úteis que ajudam a tornar mais consistente a suspeita do transtorno.

Uma vez justificada a suspeita, a consulta ao médico deve ser preparada e agendada. 
No final do capítulo analisaremos alguns aspectos do diagnóstico do TDAH.
É importante relembrar que o TDAH é um transtorno mental de origem neurobiológica e que o diagnóstico é um ato de competência e responsabilidade médica. Portanto, só este profissional poderá confirmar o diagnóstico e desenvolver estratégias para o tratamento.

A suspeita

Existem numerosas escalas e questionários elaborados para orientar pais e mestres na suspeita diagnóstica do TDAH. Os pais, auxiliados pelos mestres, respondem perguntas referentes ao comportamento da criança nos vários contextos do seu dia-a-dia.
A partir de um determinado número de respostas positivas, que indicam a ocorrência dos sintomas do TDAH, se estabelece um grau de probabilidade para o diagnóstico.
Muitos destes questionários apresentam alta confiabilidade, pois são aplicados e testados por métodos científicos.
Analisaremos aqui a tradução do SNAP-IV, validada pelos pesquisadores do GEDA (Grupo de Estudos do Déficit de Atenção da Universidade Federal do Rio de Janeiro) e do PRODAH (Programa de Déficit de Atenção/Hiperatividade do Serviço de Psiquiatria da Infância e Adolescência do Hospital das Clínicas de Porto Alegre/UFRGS). Esta tradução pode ser encontrada no site da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (http://www.tdah.org.br/).
Para cada item deve-se escolher o grau que melhor descreve a criança e assinalar o boxe correspondente com um X. Por exemplo, no primeiro item: não consegue prestar atenção a detalhes ou comete erros por descuido nos trabalhos da escola ou tarefas. Apenas uma das seguintes opções deverá ser escolhida: não ocorre nem um pouco, ocorre só um pouco, ocorre bastante ou ocorre demais.


 Nem um pouco
 Só um pouco
Bastante
Demais
1. Não consegue prestar muita atenção a detalhes ou 
comete erros por descuido nos trabalhos da escola ou tarefas.




2. Tem dificuldade de manter a atenção em tarefas 
ou atividades de lazer




3. Parece não estar ouvindo quando se fala diretamente com 
ele




4. Não segue instruções até o fim e não termina deveres 
de escola, tarefas ou obrigações.




5. Tem dificuldade para organizar tarefas e atividades




6. Evita, não gosta ou se envolve contra a vontade em 
tarefas que exigem esforço mental prolongado.




7. Perde coisas necessárias para atividades 
(p. ex: brinquedos, deveres da escola, lápis ou livros).




8. Distrai-se com estímulos externos




9. É esquecido em atividades do dia-a-dia




10. Mexe com as mãos ou os pés ou se remexe na cadeira




11. Sai do lugar na sala de aula ou em outras situações em 
que se espera que fique sentado




12. Corre de um lado para outro ou sobe demais nas coisas 
em situações em que isto é inapropriado




13. Tem dificuldade em brincar ou envolver-se em atividades 
de lazer de forma calma




14. Não pára ou freqüentemente está a mil por hora.




15. Fala em excesso.




16. Responde as perguntas de forma precipitada antes 
delas terem sido terminadas




17. Tem dificuldade de esperar sua vez




18. Interrompe os outros ou se intromete 
(p.ex. mete-se nas conversas / jogos).





Observe que enquanto os itens de 1 a 9 apontam para características de desatenção, os de 10 a 18 referem-se à hiperatividade e impulsividade.
Se foram assinalados ao menos seis boxes vermelhos e/ou seis azuis, há suspeita de TDAH.
Havendo a suspeita, poderemos ter três situações diferentes:
1.   Foram assinalados seis ou mais boxes vermelhos e seis ou mais boxes azuis. Neste caso a suspeita é de TDAH combinado, ocorrem tanto sintomas de desatenção quanto de hiperatividade/impulsividade.
2.   Foram assinalados seis ou mais boxes vermelhos e menos de seis boxes azuis. A suspeita é de TDAH predominantemente desatento, também denominado apenas como TDA, condição em que os sintomas de hiperatividade/impulsividade não ocorrem ou são discretos.
3.   Foram assinalados seis ou mais boxes azuis e menos de seis boxes vermelhos. A suspeita é de TDAH predominantemente hiperativo/impulsivo, condição em que a desatenção é menos evidente. 
Para o diagnóstico final o profissional necessitará de outras informações que serão analisadas adiante neste capítulo.
Sendo consistente a suspeita, o passo agora é preparar-se para a consulta.

Preparando-se para a consulta

O primeiro passo talvez seja o mais difícil, preparar seu filho para a consulta!
Muitas vezes a criança ou o adolescente não sabe o que foi fazer no consultório médico. Não é raro recusarem dar informações, brigarem com os pais ou até mesmo saírem da sala sem dar qualquer satisfação.
É de extrema importância que estejam conscientes do motivo e da necessidade da procura ao profissional. Durante a consulta suas fraquezas serão reveladas, expostas e, para isso, é imprescindível a sua autorização e colaboração.
Nesta fase da vida, o portador de TDAH normalmente não tem consciência das suas dificuldades ou alega os mais variados motivos.
Pais sensíveis e dispostos para o diálogo conseguirão vencer esta difícil etapa tendo como aliados a paciência e o tempo.    
A seguir estão enumeradas algumas dicas para os pais, que auxiliarão o profissional a obter as informações necessárias para o diagnóstico:
1.   Verifique se os comportamentos assinalados no questionário também são observados em outros contextos além da casa e da escola. Eles ocorrem estando a criança ou o adolescente com os amigos, sem os pais por perto? Ocorrem na casa dos avós, na viajem com os tios ou na companhia dos amigos? Ocorrem mesmo estando sozinho sem a companhia dos outros?
2.   Procure lembrar-se com que idade a criança começou a apresentar cada um destes sintomas.
3.   Avalie que tipo de conseqüências estes sintomas provocaram na vida da criança ou do adolescente até aqui. Chamamos isso de impacto. Para isso analise os vários contextos: vida familiar, social, escolar, etc.
4.   Consiga com a escola um relatório sobre o comportamento e desempenho da criança ou do adolescente, suas qualidades e deficiências, sua capacidade de atenção, sociabilidade, etc.
5.   Recorde a história pregressa do seu filho, recorra a possíveis anotações. Quais foram as condições da sua gestação e parto? Como transcorreu o seu primeiro ano de vida, o desenvolvimento físico e mental? Com que idade deu os primeiros passos, falou as primeiras palavras, tirou as fraldas, se vestiu sozinho, reconheceu cores... Como vimos antes, estes marcos do desenvolvimento serão importantes para o profissional e no momento da consulta pode ser difícil recordar.
6.   Lembre-se das doenças pregressas, especialmente se motivaram internação hospitalar ou acometeram o sistema nervoso da criança (meningite, traumatismo craniano grave, convulsão). Reúna exames da época para que o profissional possa melhor avaliar a possível correlação com o quadro comportamental atual.
7.   Anote os problemas de saúde e o eventual uso contínuo de medicamentos. Recorde-se de possíveis reações alérgicas ocorridas no passado.
Agora é hora de escolher o profissional.
Atualmente muitos pediatras encontram-se capacitados e interessados no diagnóstico e tratamento do TDAH. Converse com ele, se acompanhou seu filho desde pequeno certamente terá uma visão privilegiada do seu desenvolvimento físico e mental.
No entanto, podemos considerar o psiquiatra e o neurologista da infância e adolescência como os especialistas mais indicados para a abordagem do problema.
Na página da Associação Brasileira do Déficit de Atenção (www.tdah.org.br), encontram-se enumerados especialistas em vários estados brasileiros que se dedicam ao estudo e atendimento de pacientes portadores de TDAH.

TDAH: um diagnóstico clínico

No passado o médico enfrentava muitas dificuldades para fazer um diagnóstico clínico.
Diagnóstico clínico é aquele feito com base nos sinais e sintomas que um paciente apresenta, diferente de um diagnóstico laboratorial que é dado a partir do resultado de um exame. Tome como exemplos o diagnóstico de diabetes através da dosagem de glicose no sangue, de uma infecção urinária pelo exame de urina ou de uma pneumonia por uma radiografia.
Sobretudo em Psiquiatria, os diagnósticos são feitos de forma clínica uma vez que os transtornos não apresentam ainda marcadores biológicos que possam ser identificados ou quantificados através de exames laboratoriais.
Em Neurologia, numa escala menor, muitos diagnósticos também são feitos de forma clínica, como é o caso da enxaqueca. Este diagnóstico, por exemplo, é definido pelas características da dor de cabeça como o tipo de dor (latejante, pulsátil e que piora com o esforço físico), a sua intensidade (moderada a forte), duração dos ataques e os sintomas que acompanham a dor (náuseas, vômitos e sensibilidade à luz e sons).
Ocorre o mesmo no TDAH, trata-se de um diagnóstico clínico baseado nas informações acerca das manifestações clínicas até aqui descritas.
No entanto, até pouco tempo atrás, para um mesmo paciente em questão, o diagnóstico de TDAH firmado por um médico muitas vezes não coincidia com o de outro. Havia uma grande variabilidade de definições e interpretações para o diagnóstico. O resultado era uma verdadeira confusão.
O conhecimento científico ficava impedido de avançar uma vez que as pesquisas não podiam ser comparadas, pois os critérios utilizados eram diversos.
Este problema foi resolvido com o desenvolvimento de critérios operacionais para o diagnóstico dos transtornos mentais, organizado e pela Associação Psiquiátrica Americana e atualmente na sua quarta edição (DSM-IV).
Estes critérios foram sendo aperfeiçoados, testados cientificamente e, aos poucos, passaram a ser utilizados de maneira uniforme em todo o mundo. Isto propiciou um avanço considerável no diagnóstico e tratamento dos transtornos mentais.

Critérios para o diagnóstico

No passado a hiperatividade era considerada o elemento principal para o diagnóstico do TDAH. Na década de 70 o transtorno era chamado de Síndrome da Criança Hiperativa ou Reação Hipercinética da Infância, isto porque acreditava-se também que esta condição não ocorria em adultos.
Com o avanço nas pesquisas e diagnóstico do transtorno, os conceitos mudaram e a dificuldade de atenção passou a ser o sintoma central para o diagnóstico. Além disso, o TDAH passou a ser mais claramente identificado em adultos.
Significa dizer que para o diagnóstico de TDAH é preciso haver algum grau de dificuldade de atenção, sem necessariamente estar presente a hiperatividade e a impulsividade.
A partir destas observações foi proposta uma classificação do TDAH: o predominantemente desatento (ou também denominado TDA), o predominantemente hiperativo-impulsivo e o combinado.
Como definem os termos, no tipo predominantemente desatento os sintomas de hiperatividade e impulsividade não existem ou são pouco evidentes e no predominantemente hiperativo-impulsivo estes sintomas prevalecem sobre a desatenção.
Já no tipo combinado todos os sintomas se manifestam de forma exuberante, a dificuldade de atenção, a hiperatividade e a impulsividade.
O grupo combinado é o mais freqüentemente diagnosticado, em torno de 55 a 62% dos casos (21, 22).
A primeira etapa do diagnóstico compreende a constatação e quantificação dos sintomas, como vimos no SNAP-IV.
Na segunda etapa compete ao profissional verificar os seguintes pré-requisitos para o diagnóstico:
1.   Alguns dos sintomas necessariamente se manifestaram antes dos sete anos de idade. Um adolescente com quadro inédito de desatenção, hiperatividade e impulsividade iniciado há poucos meses não apresenta TDAH.
2.   Os sintomas ocorrem em mais de dois contextos diferentes: vida familiar, escolar ou social.  
3.   Nestes vários contextos os sintomas provocam um impacto negativo evidente sobre o portador: baixo desempenho e retenção escolar, acidentes, infantilização, dificuldades de sociabilidade, delinqüência, etc.
4.   Outros transtornos mentais podem cursar com os mesmos sintomas e confundir o diagnóstico de TDAH, por exemplo: deficiência mental leve, psicoses e depressão.

A importância do exame clínico-neurológico

O exame clínico-neurológico do paciente é importante não apenas para afastar outras possibilidades diagnósticas, mas também revelar anormalidades que frequentemente são observadas na criança e no adolescente com TDAH.
Determinadas lesões localizadas naquelas áreas cerebrais responsáveis pelo TDAH podem provocar os mesmos sintomas: asfixia neonatal, hemorragia cerebral do prematuro, encefalites, tumores cerebrais, etc.
O exame neurológico deste paciente pode guiar a suspeita e determinar a realização de exames de imagem do cérebro (tomografia ou ressonância magnética).
Apesar da sua rara ocorrência na infância e adolescência, o hipertireodismo (funcionamento excessivo da tireóide) é outra condição que pode simular o TDAH. Neste quadro a criança ou adolescente pode apresentar tremor, suor excessivo, batimento cardíaco acelerado e anormalidades à palpação da tireóide, localizada na parte da frente do pescoço.
Outras condições clínicas gerais que devem ser afastadas são as anemias severas e deficiências nutricionais.
Deficiência visual e auditiva sempre deve ser pesquisada, ainda que grosseiramente, pelo exame clínico-neurológico. Especialmente nas crianças mais novas, anormalidades sutis podem simular o TDAH.
O exame neurológico da criança e do adolescente com TDAH pode revelar dificuldades de coordenação e de equilíbrio, baixa persistência na atividade motora e excessiva movimentação corporal.        Estes pacientes freqüentemente apresentam dificuldade para fixar ou rastrear um objeto com o olhar ou permanecer com os olhos fechados. Estes e outros sinais podem indicar deficiência nos circuitos responsáveis pela capacidade de atenção visual. 

Exames laboratoriais

Em algumas situações clínicas os exames laboratoriais serão de grande utilidade: tomografia e ressonância magnética cerebral, dosagem dos hormônios da tireóide, hemograma e outros exames de rotina.        
Como já vimos, a intoxicação pelo chumbo pode provocar na criança pequena um quadro semelhante ao TDAH. Embora sua ocorrência esteja relacionada ao contexto ocupacional, por exemplo, locais onde se manipula bateria de automóveis, recentemente pudemos assistir num programa de grande audiência na televisão, que muitos filtros domésticos permitiam a passagem de alta concentração de chumbo para a água.
Estudos detalhados devem ser urgentemente realizados para averiguar a veracidade desta suspeita e sua possível correlação com o TDAH.
Nos casos de forte suspeita podemos dosar em laboratório a quantidade de chumbo no sangue.
A criança com suspeita de deficiência visual ou auditiva deverá ser encaminhada para avaliação otorrinolaringológica e oftalmológica.
O eletrencefalograma quantitativo pode revelar um alto teor de determinadas ondas (alfa e teta) nas regiões anteriores do cérebro. Esta e outras características neurofisiológicas já foram exaustivamente estudadas, mas não são específicas do TDAH, ou seja, a especificidade não é de 100%.
No entanto, se o profissional pretende iniciar o tratamento da criança com medicamento psicoestimulante deve certificar-se através do eletrencefalograma se ela não apresenta o que popularmente é chamado de foco.
O uso de psicoestimulantes pode ser contra-indicado em Indivíduos que apresentem foco epiléptico, pois o mesmo pode ser ativado.

A importância das avaliações complementares

A avaliação da atenção através de testes neuropsicológicos clássicos ou computadorizados pode ser útil, não para dar o diagnóstico, como vimos ele é clínico, mas para se ter mais detalhes quantitativos e qualitativos do déficit atencional.
Temos no Brasil o TAVIS-2R que é um teste de atenção computadorizado normatizado na população brasileira, ou seja, os valores de normalidade foram estabelecidos a partir dos resultados obtidos em grandes amostras de indivíduos de várias idades no nosso meio, o que aumenta sua confiabilidade.
Através deste teste podemos avaliar o tipo e o grau de desatenção que a criança ou adolescente com TDAH apresenta, ou seja, seu perfil atencional.
No decorrer do tratamento ou em situações de retirada da medicação o teste pode ser repetido, trazendo mais informações para o médico sobre o andamento do processo.
A avaliação neuropsicológica examina as várias habilidades cerebrais envolvidas no processo de aprendizagem: quociente de inteligência, capacidade de atenção, cálculo, memórias, linguagem, coordenação visual-espacial e outras.
No contexto do TDAH, a avaliação neuropsicológica será de grande importância nas seguintes situações: quando é necessário afastar a possibilidade de deficiência mental, na suspeita de dislexia ou de outros distúrbios específicos da aprendizagem, na criança superdotada e nos casos de TDAH que não respondem adequadamente ao tratamento medicamentoso.
A avaliação fonoaudiológica será muito importante nos casos em que a criança com TDAH apresenta atraso na aquisição da linguagem, distúrbios da fala (fala acelerada, alterações da modulação do volume da voz), dificuldades na escrita ou leitura e, principalmente, se há suspeita de dislexia.
Nas crianças com TDAH e dificuldades na aprendizagem, a avaliação psicopedagógica poderá ser útil para examinar dificuldades específicas, mas será fundamental na elaboração das estratégias de tratamento.

Texto extraído do livro Levados da Breca
 de autoria do mesmo autor do artigo

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