quinta-feira, 25 de outubro de 2012

Desenvolvimento da criança, uma visão pediátrica



José Hugo de Lins Pessoa
Professor titular de Pediatria da Faculdade de Medicina de Jundiaí (FMJ).
Sinopse de Pediatria Nov 2003 V 9 N 3

Numeração de páginas na revista impressa: 72 à 77

Introdução


A supervisão do crescimento e do desenvolvimento da criança é uma importante tarefa médica e faz parte do rol de atividades do dia-a-dia do pediatra, uma vez que a Pediatria é a medicina do ser humano no seu período de crescimento e desenvolvimento.

O desenvolvimento da criança consiste na aquisição progressiva de capacidades (habilidades) motoras e psicocognitivas. Diferentemente do crescimento, que implica em divisão celular (hiperplasia) e/ou aumento do tamanho das células (hipertrofia) e resulta em ganho de massa corpórea, desenvolver é ganhar maturação funcional, capacidade para executar funções diferentes e/ou mais complexas. Embora sejam fenômenos distintos na sua concepção fisiológica, como bem assinala Marcondes, o crescimento e o desenvolvimento são paralelos em seus cursos e integrados em seus significados(1).

O desenvolvimento infantil abrange modificações no plano físico ou motor (capacidade para realizar movimentos), no plano intelectual (capacidade para pensar e raciocinar), no plano emocional (capacidade para sentir) e no plano social (capacidade para relacionar-se com os outros)(2). Pode ser considerado em cinco grandes áreas (domínios ou condutas): motor grosseiro, motor fino/adaptativo, pessoal/social, linguagem e cognitivo.

O desenvolvimento é regido e influenciado por fatores genéticos (intrínsecos) e ambientais (extrínsecos). Os fatores genéticos são responsáveis pela previsibilidade do desenvolvimento, ou seja, o desenvolvimento ocorre numa ordem semelhante para todos os indivíduos, entretanto em diferentes velocidades e resultados finais(4). Isto significa dizer que a seqüência do desenvolvimento é similar em todas as crianças, contudo, a velocidade de ganho das diferentes habilidades pode variar de uma criança para outra (e.g.: todas as crianças têm de aprender a andar antes de aprender a correr, no entanto idade de andar ou correr varia de uma criança para outra). Os fatores ambientais influem de modo relevante no desenvolvimento da criança. A pobreza e outros fatores sociais e culturais podem prejudicar esse desenvolvimento. Por outro lado, independentemente do nível socioeconômico da família, as atitudes e ações dos pais, a qualidade de vínculo e da estimulação da criança, influem na velocidade de aquisição de determinadas capacidades, sobretudo cognitivas e de linguagem(2).

O desenvolvimento é um processo contínuo, ordenado, cefalocaudal, paralelo à mielinização do sistema nervoso. Os marcos (ritos) do desenvolvimento refletem, portanto, a maturação do sistema nervoso. Antes de adquirir determinados movimentos voluntários tem que se perder os correspondentes reflexos primitivos (e.g.: antes que a criança possa rolar sobre si mesma, tem de desaparecer o reflexo tônico assimétrico do pescoço). Os reflexos primitivos se estabelecem através do tronco cerebral e se constituem de respostas motoras involuntárias diante de estímulos periféricos específicos. Estão presentes ao nascimento e desaparecem durante os primeiros seis meses de vida. A supressão dos reflexos primitivos está ligada ao desenvolvimento motor normal da criança, por exemplo, o reflexo de Moro desaparece gradativamente até ao final do 4º-6º mês de vida, o reflexo tônico cervical assimétrico desaparece aos 3-4 meses e a marcha reflexa desaparece aos 2-3 meses de idade. A persistência dos reflexos primitivos, além do tempo habitual, pode indicar lesão encefálica. As chamadas reações posturais (e.g.: de retificação, proteção, equilíbrio) surgem entre o 2º e 9º meses de idade e são importantes porque ajudam a manter a orientação do corpo no espaço e a inter-relação entre as diversas partes do corpo. No acompanhamento do desenvolvimento da criança o perfil gerado pela combinação dos reflexos primitivos (que devem desaparecer) e das reações posturais (que devem surgir) pode ajudar a identificar anormalidades.

A detecção precoce de crianças em risco de anormalidades no desenvolvimento pode permitir intervenções com grande impacto na saúde e no futuro da criança. A prematuridade, a exposição intra-uterina a drogas (e.g.: abuso de álcool e outras drogas pela mãe), eventos pré-natais e perinatais adversos (e.g.: infecções congênitas, anóxia), a presença de uma enfermidade crônica, doenças genéticas, desnutrição, além de fatores ambientais e socioculturais, podem implicar em um maior risco de problemas e atrasos no desenvolvimento da criança.

A avaliação do desenvolvimento da criança é realizada nas consultas pediátricas pela combinação da anamnese, do exame físico e, quando indicados, de exames complementares. O comportamento da criança, espontâneo ou provocado, durante o exame clínico é de grande utilidade para a caracterização da qualidade de aquisição dos marcos do desenvolvimento. Devem-se aquilatar os ritos (marcos) alcançados em cada uma das áreas citadas, considerando-se: I) as amplas variações de idade destas aquisições entre as crianças II) a velocidade em que se atinge os marcos de uma área pode não ser paralela com as outras. Note-se que embora exista uma unidade fundamental entre as diversas áreas do desenvolvimento, a existência de dissociações entre elas não reflete, necessariamente, uma condição de anormalidade. Os testes ou escalas de desenvolvimento (e.g.: teste do desenvolvimento de Denver II - Quadro 1) permitem uma comparação da situação do desenvolvimento atual da criança com outras da mesma idade.

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Sua utilização de maneira regular nas consultas pediátricas de rotina permite identificar, no momento oportuno, problemas no desenvolvimento da criança. A incapacidade de executar um marco do desenvolvimento realizado por 90% das crianças da mesma idade deve ser valorizada, sobretudo quando houver comprometimento em mais de uma área, e possibilita ao pediatra suspeitar de anormalidades. Releve-se, no entanto, que o teste do desenvolvimento de Denver possui uma elevada sensibilidade, porém uma especificidade limitada, o que significa dizer que crianças potencialmente normais podem ser remetidas para estudos adicionais. Nesse sentido, uma palavra de cautela: na avaliação do desenvolvimento infantil, em situações limítrofes, é importante observar o perfil longitudinal do desenvolvimento da criança, o que pode ajudar a diferenciarcom maior segurança déficits ou atrasos verdadeiros de simples atrasos sem significação clínica.

Desenvolvimento normal

1. Capacidades motoras grosseiras
As habilidades motoras grosseiras são representadas por movimentos globais de grandes músculos, correspondendo às capacidades como, por exemplo, de sentar, andar e correr. O desenvolvimento motor é realizado no sentido craniocaudal, próximo-distal e global-específico. Os movimentos sem coordenação das primeiras semanas de vida são substituídos por movimentos coordenados.

O processo de maturação motora reflete: I) as mudanças no tônus muscular de base II) o desaparecimento dos reflexos primitivos e III) o surgimento das reações posturais, que são integradas suavemente na função motora do individuo adulto. A chamada reviravolta fisiológica do tônus muscular observada no segundo trimestre de vida, ou seja, a troca do estado inicial da hipertonia dos membros e da hipotonia do tronco, é uma modificação estratégica porque permite ao lactente sentar-se, inicialmente com apoio das mãos (hipertonia do tronco), e oferece uma maior base de sustentação do corpo (hipotonia dos membros). Pode-se dizer que o "alvo" fundamental do desenvolvimento motor grosseiro no primeiro ano de vida é a marcha. A seqüência para isto é: controle da cabeça, fortalecimento dos músculos do pescoço, em seguida do ombro e do tronco e dos músculos da deambulação. É marco deste desenvolvimento sustentar a cabeça aos 3 meses, sentar aos 6 meses, ficar em pé, apoiando-se nos móveis, e engatinhar aos 9 meses e ficar em pé sem apoio e andar aos 12-14 meses. Aos 10-11 meses de idade algumas crianças andam, apoiando-se nas mãos dos pais ou do examinador. Outros marcos são, por exemplo: aprender a correr (18 meses), a subir e descer escadas (2 anos), a saltar sobre um pé (4 anos) e a saltar sobre os dois pés (5 anos). Do mesmo modo que nas outras condutas é necessária a presença do marco anterior para que o posterior se desenvolva.

2. Capacidades motoras finas (coordenação / motricidade fina)
O desenvolvimento motor fino ou adaptativo é representado pelo uso dos pequenos músculos, da mão e da coordenação olho/mão, resultando na capacidade de manipular pequenos objetos, escrever, desenhar e de toda a gama de ações que exige destreza manual.

O desenvolvimento motor fino no primeiro ano de vida tem na preensão em pinça de dois dedos, a chamada pinça superior, o seu aperfeiçoamento mais representativo. Entre um e quatro meses a criança tem a coordenação audiovisual, procura o som com a vista. As mãos que estão fechadas até os três meses de idade (reflexo de preensão palmar), passam a ficarem abertas a partir desta idade. Descobrem a linha média (3-4 meses), passam a jogar com as mãos nessa linha média. Após a perda do reflexo de preensão palmar no 3º-4º mês de vida existe um período, que pode durar dias ou até um mês, em que as mãos não reagem ao contato com os objetos (silêncio na preensão palmar). Aos 4-5 meses já procuram objetos que estão ao seu alcance (preensão palmar voluntária), aparecendo à coordenação oculomanual.

Aos 6 meses passam objetos de uma mão para outra e aos 7 meses iniciam a preensão de objetos com a pinça em três dedos (pinça radial inferior, onde já se observa o uso do polegar, ainda no mesmo plano). Entre 9 e 12 meses iniciam a preensão com pinça de dois dedos (pinça superior, onde se observa a oposição do polegar ao indicador) o que permitirá manipular minúsculos objetos. O uso do dedo indicador é importante porque permite a criança apontar, tocar e explorar o ambiente. Aos 14 meses faz uma torre com dois cubos e risca o papel com um lápis e aos 3 a 5 anos é capaz de copiar um círculo e um quadrado. Aos 6 anos desenha uma pessoa em seis partes. A preferência por uma das mãos, embora já possa ficar evidente aos 3 anos de idade, geralmente torna-se patente dos 4 aos 5 anos. A preferência precoce por uma das mãos deve lembrar a possibilidade de paresia ou problemas neuromusculares.

3. Linguagem
O desenvolvimento da linguagem representa a capacidade de comunicação, implica tanto a compreensão como a expressão através de palavras, frases e gestos que transmitem uma intenção. A linguagem é muito mais do que a fala, abrange todas as formas de comunicação humana. O desenvolvimento da fala é um rito muito importante e esperado com ansiedade pelos pais. Para o desenvolvimento da fala é essencial que a audição seja normal. Considera-se importante a mensuração da acuidade auditiva, não só em crianças portadoras de retardo da linguagem, mas como um procedimento de rotina no atendimento da criança sadia. A diminuição da capacidade auditiva pode ser congênita ou adquirida. A maioria dos casos de surdez congênita se deve a fatores genéticos(5). Entre as causas não genéticas, alguns exemplos de fatores de risco para hipoacusia são: as infecções congênitas (TORCH), o baixo peso ao nascer (< 1.500 g), asfixia neonatal e ventilação mecânica prolongada, malformações do pavilhão auricular, medicações ototóxicas, meningites, traumatismos cranioencefálicos e otite média com derrame persistente ou recidivante.

O desenvolvimento da linguagem obedece a uma sucessão ordenada e previsível. Os marcos podem ser considerados em receptivos (linguagem receptiva: capacidade para entender a comunicação) e expressivos (linguagem expressiva: capacidade para expressar uma intenção, verbal ou não). Os marcos receptivos se desenvolvem antes dos expressivos e, inicialmente, anunciam a capacidade para ouvir e responder aos sons e só posteriormente refletem a capacidade para entender as palavras. O recém-nascido reage aos sons com sobressalto, abertura dos olhos ou choro. Olhar nos olhos da mãe e posteriormente o surgimento do chamado sorriso social entre a sexta e décima semana de vida, já representam uma tentativa de linguagem. A vocalização (jogo vocal com variação de sons) surge em torno do terceiro mês, a lalação (repetição dos próprios sons) com o uso indiscriminado de falas como ma-ma-má, pa-pa-pá, entre 6 e 10 meses. Aos 9 meses de idade a criança compreende o "não" e em torno dos 12 meses de idade obedece a ordens acompanhadas de gestos e emite a primeira palavra discriminada, outra palavra que não ma-ma ou pa-pa. Nesta fase apresenta o chamado jargão ou palavra frase, uma palavra que dependendo da entonação pode representar uma frase. Rapidamente a criança adquire vocabulário, aos 2 anos já são em torno de 50 as palavras faladas.

Na prática da clínica do dia-a-dia o pediatra deve ficar atento aos sinais de alerta que indicam a possibilidade de complicação no desenvolvimento da linguagem e que indicam uma avaliação especializada. São sinais que sinalizam atrasos na linguagem: 1) respostas ausentes ou inconstantes a estímulos sonoros a qualquer idade 2) ausência de balbucio aos 9 meses de idade 3) ausência de fala (uma palavra) inteligível aos 18 meses de idade 4) incapacidade de responder a ordens simples, como "vem aqui", "cadê a mamãe?", aos 2 anos de idade 5) fala predominantemente não inteligível aos 3 anos de idade 6) hipernasalidade, qualidade vocal, tom e intensidade vocal inadequada a qualquer idade 7) gaguejar (tartamudear) de modo evidente após cinco anos de idade(5).

4. Capacidade pessoal-social
Nesta conduta se estabelece a relação da criança com o mundo que a rodeia e a autonomia para cuidar de si mesma (e.g.: alimentar-se, vestir-se). A capacidade pessoal- social reflete a interação da criança com o ambiente e com as pessoas, o processo de socialização e, paralelamente, o processo de independência pessoal. Acompanha o desenvolvimento da coordenação motora, a cognição e o demorado processo intrapsíquico do desenvolvimento do EU. Do estado de simbiose e dependência da mãe observados nos primeiros meses de vida a criança desenvolve o processo de separação, desvinculação e individuação.

O desenvolvimento pessoal-social transforma a criança em um indivíduo com capacidade para alimentar-se, vestir-se, cuidar da sua própria higiene corporal e participar dos jogos sociais. Ainda recém-nascido a criança já mira a face humana e entre a sexta e décima semana de vida surge o sorriso social não discriminado, espontâneo, marco importante porque traduz um desenvolvimento psíquico normal. Aos 6 meses de idade o sorriso da criança já passa a ser um ato discriminado. Aos 7-8 meses de idade surge a "ansiedade com estranhos", ou seja, da aceitação pela criança de todas as pessoas nos primeiros meses de vida, torna-se retraído e chora na presença de estranhos. Isto explica porque o recém-nascido e o lactente jovem (até 6 meses), geralmente, não choram durante o exame pediátrico.

Pode-se acompanhar o desenvolvimento pessoal-social da criança pelos marcos que demonstram a capacidade de interação com a mãe e com as outras pessoas e das capacidades para o seu cuidado pessoal como a alimentação e a higiene. Alguns exemplos: beber em copo aos 10-12 meses, usar a colher em torno dos 15 meses, aos 2- 3 anos lava e seca as mãos, participa de jogos de cooperação (interativo) aos 3-4 anos de idade e aos 4- 6 anos de idade a criança veste-se sem nenhuma ajuda ou supervisão. O hábito de brincar e jogar com as outras crianças é vital para a saúde mental, para o desenvolvimento da personalidade e para preparar o indivíduo para o convívio social adulto. O pediatra deve estar atento para estes fatos, uma vez que pode ajudar e estimular as famílias para a importância da integração social da criança.

5. Desenvolvimento cognitivo
As capacidades cognitivas permitem a criança a pensar, a raciocinar, a resolver problemas e a conhecer o seu ambiente. Segundo Piaget, são quatro os estágios do desenvolvimento cognitivo da criança: I) sensitivo-motor, do nascimento aos dois anos de idade II) pré-operativo, 2-6 anos III) operativo concreto, 6-11 anos IV) operativo formal, após os 11 anos de idade(3).

Uma visão geral do desenvolvimento cognitivo ressalta que na fase sensitivo-motor a criança estabelece um aprendizado do mundo mediante sensações e ações motoras. Aprende a noção de relações espaciais e de casualidade. Neste período é relevante o desenvolvimento do conceito de permanência do objeto (em torno dos sete aos nove meses de idade), isto é, a consciência que os objetos existem mesmo quando a criança não pode vê-los, uma vez que nos primeiros meses de vida só existe para a criança o que ela vê, ou seja, o que se encontra acessível ao seu campo de visão.

Com a aquisição da noção do conceito de permanência dos objetos se desenvolvem as bases para a elaboração intelectual "do que estar por vir" ou "por voltar". Nesse sentido, aos dois anos a criança desenvolve o conceito de "hoje", aos dois anos e meio o conceito de "amanhã" e aos três anos o conceito de "ontem". No período entre os dois e os seis anos de idade, os processos mentais da criança estão unidos a sua própria percepção de realidade, não separam, portanto, a realidade interna da externa. Sua visão do mundo é egocêntrica, relacionada ao seu querer ou as suas necessidades. Desenvolve nesta fase o pensamento mágico, pensamento simbólico incorporado de uma fantasia mais elaborada. Criam o amigo imaginário, pesadelos ou medo de monstros são comuns.

A partir do 5º-6º ano de idade a criança realiza operações mentais quando estão relacionadas com objetos reais (e.g.: duas laranjas mais duas laranjas igual a quatro laranjas). Nesta fase desenvolve importantes conceitos: de massa, volume e número. Interage melhor com as outras crianças, percebe as relações de causa/efeito. Após os 11 anos de idade a criança desenvolve, finalmente, o pensamento abstrato.

Em resumo: o desenvolvimento infantil apresenta um padrão normal, com marcos precursores e etapas-chaves com cronologia, regularidade e velocidades estabelecidas. Para bem acompanhar o desenvolvimento dos seus pacientes o pediatra deve conhecer e avaliar, para as respectivas idades, os ganhos de capacidades relacionados com as condutas nas diversas áreas.

Atraso no desenvolvimento

Pode-se dizer, de modo geral, que existe atraso no desenvolvimento quando uma criança não desenvolve os marcos do desenvolvimento na idade prevista. Deve-se, no entanto, considerar: I) que esta idade varia amplamente entre crianças normais II) que a criança em desenvolvimento pode mudar o curso (velocidade) de sua maturação, sendo fundamental um acompanhamento longitudinal III) que o atraso em uma área isolada tem muito menor significado do que o atraso em várias áreas.

Nos atendimentos pediátricos, independentemente de qual seja o motivo da consulta ou da queixa principal, deve-se sempre avaliar o desenvolvimento da criança. A ananmese completa é o primeiro passo. Da entrevista com a família e da observação do pediatra diante da criança obtém-se os dados vitais para a avaliação do desenvolvimento infantil. A história de aquisição dos marcos do desenvolvimento e a avaliação da família (mãe) quanto ao desenvolvimento da criança oferecem importantes subsídios para o pediatra. Devem-se verificar nos antecedentes familiares se existe algum membro da família com atraso no desenvolvimento. Os antecedentes gestacionais são importantes, ressaltando-se o uso de drogas ou álcool pela mãe durante a gravidez, as infecções congênitas, a prematuridade e as condições do parto. Nos antecedentes pessoais se deve ficar alerta para a existência de convulsões, exposição a intoxicações, meningites, padrão alimentar, história de maus-tratos ou abandono, ou seja, carência de estimulação.

O exame físico deve ser completo. O peso, a estatura e o perímetro cefálico devem ser colocados nas suas respectivas curvas e interpretadas adequadamente. A presença de malformações congênitas ou manifestações neurocutâneas podem indicar anormalidades genéticas. O exame neuropsicomotor é fundamental. Ressalte-se o estado do tônus muscular (hipotonia ou hipertonia), a massa e a força muscular.

São sinais de alerta e de orientação para atraso no desenvolvimento, dentre outros: 1) pouco interesse da criança pelo ambiente 2) choro estridente, inextinguível, irritabilidade 3) ausência de sorriso social 4) controle pobre da cabeça aos três meses 5- mãos persistentemente fechadas após os quatro meses 5) hipertonia de membros e hipotonia do tronco após o sexto mês 6) dificuldade de se manter nas posturas adequadas de acordo com a sua faixa etária (e.g.: não se sentar aos oito meses de idade) 7) ausência das reações equilibratórias ao final do terceiro trimestre de vida (pára-quedas e equilíbrio lateral) 8) preensão inadequada, ausência de preensão tipo pinça na idade adequada 9) inércia psíquica 10) persistência dos atrasos observados em exame anterior, uma vez que o encontro de atraso do desenvolvimento deve indicar avaliações mais freqüentes da criança para confirmação e identificação da sua causa(6,7).

Alterações em várias áreas devem alertar o pediatra para a urgência do diagnóstico e do tratamento. O grande objetivo da identificação e do diagnóstico precoce do atraso do desenvolvimento de uma criança, e da conseqüente intervenção precoce, geralmente multiprofissional, é contribuir para que cada criança adquira seu máximo potencial individual, finalidade da Pediatria.

Diagnóstico diferencial do atraso do desenvolvimento

No diagnóstico diferencial de uma criança com atraso do desenvolvimento sugere-se: 1) determinar a área ou áreas em que existir atraso. A criança pode ter uma anormalidade do desenvolvimento global ou em uma única área (e.g.: linguagem) 2) se existir atraso motor determinar se é progressivo ou estático. O exemplo clássico de doença motora estática é a paralisia cerebral 3) verificar se houve perdas de ganhos. Quando existiu anteriormente desenvolvimento normal e, posteriormente, ocorreu lentidão ou perdas dos ganhos já obtidos deve lembrar-se de doença metabólica, ou neurodegenerativa, ou lesão adquirida no sistema nervoso (medula ou encéfalo) 4) verificar se existe comprometimento profundo na interação social (ausência de contato ocular), movimentos corporais rítmicos habituais, como balanço do corpo, inclinação da cabeça, padrões restritos, repetitivos e estereotipados do comportamento, o que obriga a lembrar dos distúrbios do espectro do autismo 5) realizar avaliação especializada da visão e da audição. A determinação da acuidade auditiva é capital para diferenciação de surdez, retardo mental ou atraso na aquisição da linguagem (crianças que não têm perdas da audição, nem anormalidades anatômicas do sistema vocal, nem retardo mental ou retardo global do desenvolvimento são os chamados "faladores tardios"). A mensuração da audição é possível de ser realizada em crianças de qualquer idade, incluindo recém-nascidos. As técnicas a serem utilizadas dependem da idade da criança (e.g.: potencialevocado auditivo do tronco cerebral (PEAT) que não requer cooperação da criança e pode ser usado em qualquer idade) 6) se o exame físico demonstrar alterações dismórficas, indicar estudos genéticos 7) quando existem convulsões ou outros dados neurológicos podem ser indicados estudos de imagens do crânio (e.g.: ressonância magnética) e outros (e.g.: EEG) 8)realizar estudos do metabolismo (e.g.: aminoácidos) e da tireóide quando indicados pelo achados clínicos 9) não deixar de encaminhar (precocemente) a criança e a família para avaliação adicional (neurológica e/ou outras) nos casos de dúvidas ou naqueles que precisam de algum tratamento especializado.

O atendimento pediátrico ocupa uma posição de destaque na identificação das crianças em risco ou com atraso no desenvolvimento neuropsicomotor. Neste sentido, cabe ao pediatra uma responsabilidade ímpar: contribuir para que as crianças vivam melhores.


Bibliografia
1. Marcondes, E. - Desenvolvimento da criança: desenvolvimento biológico crescimento. Soc. Bras. Ped. 1994 75p.
2. Torralva, T. et al. - Desarrollo mental y motor en los primeros años de vida: su relación con la estimulación ambiental y el nivel sócio-económico. Arch. Argent. Pediatr 1999 97(5):306.
3. Grover, G. - Desarrollo normal y valoración del desarrollo. In: Berkowitz, C. D. Pediatria en atención primaria. McGraw-Hill, México, 1998. p.60-65.
4. Pessoa, J.H.L. - Densidade mineral óssea da região de punho e mão em crianças pré-púberes: correlação com as idades cronológica e óssea, o peso corporal e a estatura. S.Paulo, 1997. Tese doutorado. FCMSCSP.
5. Grover, G. - Desarrollo del lenguage: valoración del habla y de la audición. In: Berkowitz, C. D. Pediatria em atención primaria. McGraw-Hill, México, 1998. p.67-71.
6. Sayeg, D.C. & Porto, M.A.C.S. - Desenvolvimento da Criança, Pronap, Ano I, Soc. Bras. Ped. 1996 1 (3), 59-79.
7. Pires, M.M.S. - Avaliação do Desenvolvimento Neuropsicomotor Pronap, ciclo II, Soc. Bras. Ped.1998 2 (3): 32-57.

6 comentários:

  1. Olá, boa noite. Seria possível eu obter essa imagem por e-mail? Ficaria muito grata!
    email: velosolays@yahoo.com.br
    Obrigada

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  2. Olá, gostaria de receber a imagem por email...seria possivel? Grata
    Fernanda
    fcfm_to@yahoo.com.br

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  3. Gostaria da imagem por e-mail obrigada, criskinder@gmail.com

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  4. Olá boa tarde, gostaria de receber a imagem por email. Obrigada. Paolla.
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    Desde já, obrigada!

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  6. Ola, boa noite ! gostaria de receber a imagem por email!
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    muito obrigada !!

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